sábado, 14 de julho de 2012

Há 150 anos, Gustav Klimt!

Um gênio da pintura nascia há 150 anos em Baumgarten (Viena). O austríaco que pintava com folhas de ouro, escandalizou a Europa com sua arte obscena, de forte teor sexual. Teve várias exposições canceladas por chocar a opinião pública. Em um episódio notório, foi contratado pelo governo para pintar 3 quadros decorativos para as faculdades de Filosofia, Medicina e Direito, da recém inaugurada Universidade de Viena, mas recusou-se a seguir os temas propostos. Isso lhe custou uma retaliação política: sua nomeação para o cargo de professor da "Academia das Artes Decorativas" foi negada. Em protesto, Klimt devolveu os honorários ao Estado e recolheu seus quadros, que posteriormente foram tomados à força. Infelizmente A Filosofia, A Medicina e A Jurisprudência foram incendiados em maio de 1945 no Castelo de Immendorf pelas tropas SS em retirada na Segunda Guerra Mundial.

Filosofia (foto em preto e branco do original destruído).
Medicina (parcialmente destruído).
Jurisprudência (foto em preto e branco do original destruído).
Um dos seus quadros mais marcantes é Dânae. Na mitologia greco-romana, o rei Acrísio, ao consultar um oráculo, tem a notícia de que será morto por um de seus netos, o filho de Dânae. Então decide aprisioná-la, ainda virgem, numa torre de bronze, para que não venha a ter nenhum herdeiro. Porém, Zeus se apaixona por Dânae e, sob a forma de uma chuva dourada, adentra no interior da torre, fecundando-a, gerando Perseu. Na história da arte, a lenda foi tema de pintura para vários artistas. Para Klimt, ela assume a representação da procriação, captada como um instante eterno, sagrado e superior.

Dânae
Em Dânae (1907), a sua provocação se afirma de modo mais óbvio: junto à figura da mulher ruiva, adormecida, surge aquilo que muitos interpretam como uma torrente de moedas de ouro e espermatozóides. Além do agressivo nu, exposto por um robe de seda entreaberto, observam-se as bochechas ruborizadas, os olhos cerrados e as mãos contraídas, nos levando a supor que ela está tendo um orgasmo, um apelo sexual muito avançado para a época, a que muitos consideraram abertamente pornográfico.

Klimt projetou uma feminilidade pensada de forma autônoma, mergulhada e absorta em si, entregue às suas energias instintivas. Danae é um ícone do narcisismo feminino, de tal forma preocupada com ela própria que exclui qualquer outro objeto de amor para além do seu próprio corpo. O princípio masculino não se encontra patente, mas reduz-se ao símbolo abstrato de um retângulo negro no rio de ouro - apenas um ornamento entre os ornamentos. Como em vários outros trabalhos, Klimt representava o elemento masculino com retângulos e o feminino com círculos e esferas.

 O Beijo - Detalhe
Em homenagem ao famoso pintor, o fotógrafo espanhol Moises González realizou uma sequência de fotomontagens inspiradas em seus quadros mais famosos. Confira aqui.





quarta-feira, 11 de julho de 2012

Melancolia, Simbolismo e Arte

Ter consciência do papel que desempenhamos no mundo é tarefa difícil e reservada a poucos. A medida que estudamos melhor a história, as ciências e compreendemos as nuances das relações humanas, uma certa visão crítica se vai apurando e, com ela, a verdade faz cair por terra muitos dogmas e fantasias. A verdade traz respostas nem sempre agradáveis ou correspondentes ao que se deseja. Do contrário, ter a consciência e a lucidez é um duro despertar para uma realidade seca, vazia e dolorosa, uma visão de que o mundo não é belo, de que as pessoas são más, e que nosso papel no Cosmos é duvidoso. Em suma, a verdade dói. E como tal, para certas pessoas é melhor encarar a fantasia e a ilusão - a pílula azul da ilusão e da ignorância de Matrix ou, como escrevera certa vez Clarice Linspector em Lucidez em excesso:
       “Estou sentindo uma clareza tão grande que me anula como pessoa atual e comum: é uma lucidez vazia, como explicar? assim como um cálculo matemático perfeito do qual, no entanto, não se precise. Estou por assim dizer vendo claramente o vazio. E nem entendo aquilo que entendo: pois estou infinitamente maior do que eu mesma, e não me alcanço. Além do que, que faço dessa lucidez? Sei também que esta minha lucidez pode-se tornar o inferno humano — já me aconteceu antes. Pois sei que — em termos de nossa diária e permanente acomodação resignada à irrealidade — essa clareza de realidade é um risco. Apagai, pois, minha flama, Deus, porque ela não me serve para viver os dias. Ajudai-me a de novo consistir dos modos possíveis. Eu consisto, eu consisto, amém.”.


Essa dualidade entre realidade e fantasia é explorada por Lars Von Trier em Melancolia que, não por acaso, se utiliza sempre de dois elementos para desenvolver sua trama. São duas irmãs de comportamentos antagônicos, cuja história é contada separadamente em duas partes, enquanto se aguarda uma catastrófica colisão entre dois mundos. A Terra, representando tudo o que há de ruim e cuja eliminição "não fará falta a ninguém", é rota de colisão de um planeta errante, batizado de Melancolia ou Melancholia, no título original.


O filme é uma produção majoritariamente dinamarquesa com co-produção da Suécia, França, Alemanha e Itália. Em seu lançamento, no 64º Festival Internacional de Cannes, em maio de 2011, levou prêmio de melhor atriz para Kirsten Dunst. Ainda concorria à Palma de Ouro, mas sua premiação foi bastante prejudicada devido a declaração do diretor, de que "entendia Hitler". Recebeu várias aclamações em diversos festivais pelo mundo. Na 24ª edição do European Film Awards (Prêmio do Cinema Europeu), obteve 8 indicações e 3 prêmios - melhor filme, melhor fotografia para Manuel Alberto Claro, e melhor direção de arte, para Jette Lehmann.


Historicamente a palavra 'melancolia' vem da Grécia antiga, e significa 'bilis negra'. O pensamento antigo de Hipócrates dizia que a saúde (eucrasia) era o equilíbrio entre 4 humores corporais: sangue, fleugma (ou pituíta), bílis amarela e bílis negra. Na doença (discrasia) o baço secretava mais bílis negra, 'escurecendo' o humor do indivíduo, levando-o a um estado de falta de entusiamo e desânimo para as atividades cotidianas.

Anne Louis Girodet, Hipócrates recusando presentes de Artaxerxes I

O planeta Melacolia, sempre esteve lá, mas ninguém percebia sua presença pois ele se encontrava oculto pelo sol, embora se aproximando a uma velocidade de 60 mil km/hora. No prólogo do filme, numa mescla entre as imagens mais marcantes do enredo, contemplamos, à distância, nossa própria destruição. Começa a "dança da morte", o balé de colisão entre os dois planetas, embalados ao som de Richard Wagner.




A escolha do tema de abertura da ópera Tristão e Isolda de Wagner, é uma das inúmeras representações simbólicas contidas na película. Pela lenda medieval, Tristão era o mais destacado cavaleiro do seu tio, o rei Marcos da Cornuália. Ganhou de batismo esse nome pois, quando veio ao mundo, sua mãe estava triste pela morte do marido em batalha, o pai que Tristão não conheceu. O rei confia a ele a missão de buscar a bela princesa Isolda da Irlanda, para desposá-lo. No caminho de volta, os dois tomam por engano uma poção de amor e se apaixonam, mas Isolda casa-se com Marcos e mantém com Tristão um amor proibido, desafiando as convenções sociais e religiosas. A descoberta resulta no banimento de Tristão da corte, que posteriormente se casa com Isolda, princesa da Bretanha, sem jamais esquecer a outra Isolda. Quando é mortalmente ferido por uma lança, ele manda buscar sua verdadeira amada, cuja presença o redimirá da morte. Enquanto está a caminho, sua esposa enciumada o convence de que ela não virá, uma desilusão que acelera a sua morte. Isolda chega tarde demais e, ao encontrá-lo morto, também morre de tristeza.


Outra alusão simbólica diz respeito à morte de Ofélia, em Hamlet, de William Shakespeare, retratada por John Everett Millais, pintor inglês pré-rafaelista. Após saber que Hamlet assassinara seu pai, que lhe dava segurança e proteção, Ofélia cai em depressão e morre. Seu corpo é encontrado num lago e supõe-se (mas a história não conta) que ela tenha se suicidado. Tal qual o material de divulgação da película, a pintura tenta resgatar o momento de tristeza de Ofélia, que é o mesmo vivido por Justine (Kirsten Dunst) em sua desilusão com o mundo.



A primeira parte do filme diz respeito ao casamento de Justine com Michael (Alexander Skarsgård). As cenas iniciais mostram o casal muito feliz numa limusine a caminho do cerimonial. A festa é paga pelo seu cunhado John (Kiefer Sutherland) e organizada pela sua irmã Claire (Charlotte Gainsbourg), que se esforçam para adequar Justine às normas da sociedade aristocrática em que vivem. Já no primeiro momento, as coisas não parecem se encaixar, como a limusine que é exagerada demais para a estrada estreita que dá acesso à mansão. Eles seguem a pé, gerando um atraso de 2 horas e deixando todos impacientes

A festa transcorre normalmente até o momento dos discursos, quando a atmosfera nos remete a situações de constrangimento constante. À medida que as pessoas vão se mostrando, Justine percebe que os personagens de seu mundo social são mesquinhos e egoístas. O pai rouba talheres da mesa e aparece ao lado de duas mulheres que aparenta galantear. A mãe (Charlotte Rampling), é uma mulher desiludida e aversa a cerimônias, que vive em constante conflito com o genro, reflexo de sua personalidade dominadora e de uma vida infeliz. Este, por sua vez, sempre alfinetando Justine sobre cada valor gasto, mesmo que para a sua riqueza isso seja insignificante. Seu chefe (Stellan Skarsgard) se aproveita da presença dos convidados para promover sua agência publicitária e se autopromover - dando a entender que é um patrão recompensador. O próprio noivo é inexpressivo, digno mais de compaixão que de seu amor, e ela sequer nutre algum sentimento. Paulatinamente a atmosfera de felicidade se decompõe. Sua vontade de pertencer a um mundo "politicamente correto" conflita com sua própria identidade. Ela não se sente preparada para um casamento de faz-de-contas; essa visão a sufoca, como se estivesse num pesadelo, com os membros atados a um emaranhado de fios pegajosos, lutando para se libertar.


Justine se revolta contra aquele microcosmo repugnante, transgredindo assumidamente valores e convenções. A cena em que discute com o seu chefe, é um dos grandes momentos do filme. Ao renegar o cargo de diretora de arte, ela se opõe à fantasia e futilidade que desvirtuam a verdade, um dos pilares da publicidade enganosa e, por que não, de uma vida de ilusões? Num surto de aparente insanidade, Justine troca os livros de arte abertos na estante de seu cunhado. Obras abstratas e racionais, de um período mais moderno na história, dão lugar a quadros clássicos predominantemente emocionais, com cenas conflituosas, em que há morte, culpa e sofrimento. Uma regressão simbólica que representa o seu momento atual. Demitir-se da profissão, do casamento e do convencionalismo é assumir o luto da própria vida social, conduzindo-a a um estado de morte em vida.

  Bosch (o mesmo quadro), detalhe para o inferno.
Hyeronimus Bosch, detalhe de "O jardim das delícias".



Caravaggio, "Davi, com a cabeça de Golias".




Pieter Bruegel 'o velho', "O reino da Cocanha".


























Escolher o caminho inverso ao da manada, a lucidez - tal qual Clarice Linspector, supracitada - é uma processo doloroso, de isolamento, que faz Justine mergulhar num grave estado depressivo. Na segunda parte do filme, ela está doente e é resgatada pela irmã, contra a vontade do marido. De acordo com John, seria uma "má influência" para a estabilidade de sua família reintroduzir a cunhada em suas vidas. Várias cenas do filme mostram Justine em comportamentos inadequados: ao urinar no campo de golfe de John, que ele se gaba por ter 18 buracos; ao se alimentar com as mãos ao invés de usar talheres; ao manter relações com um qualquer, sem preservativos; além do histórico de 'vexames' que, de acordo com Claire, acontecia de praxe nos eventos em família. Inconscientemente, parece que ela repete o mesmo comportamento da mãe, inclusive é ela a quem Justine recorre para aconselhamento.


O sol, a estrela que nos acalenta, é a grande máscara que esconde o planeta Melancolia. Isso dá margem a algumas interpretações suscitadas na segunda parte do filme, que trata da vida de Claire (e da maioria das pessoas na vida real). Por prover energia, luz e calor a estrela bem pode ser uma alusão ao conforto que nos trazem dinheiro, trabalho e demais elementos do cotidiano. Enquanto isso, a morte, vem se aproximando a cada dia, a "60 mil km/h". Enraizada psicologicamente na dependência masculina (modelo secular de uma sociedade patriarcal), para Claire, especificamente, o sol é John, seu provedor e porto seguro. Por outro lado, o sol também pode significar a nossa 'vã filosofia'. O 'iluminismo científico' que nos faz acreditar que somos muito importantes, desviando nosso foco da morte e da insignificância que representamos. Há um certo deboche com o academicismo na cena em que John diz para Claire sobre os cientistas: "Eles não erram!" Mas a ciência não encontrou uma maneira de evitar o fim. A morte é uma dura realidade jamais vencida. Claire recorre à ciência para não 'sentir' a morte, ao comprar psicotrópicos no vilarejo próximo. Ela pretende utilizá-los em último caso, pois receia que o marido, bem como os demais astrônomos, tenham errado nos cálculos. Não demora muito a perceber que tem razão. Jonh é o primeiro a constatar que não haverá salvação. Sua frustração é irreparável. Enquanto a esposa dorme, se suicida* covardemente, como um comandante que abandona o navio, sem amparar os demais passageiros. Morre sozinho, sem se despedir de ninguém. Seu egoísmo nem desperta muito remorso na esposa, como se o mito do herói houvesse caído por terra. Em Melancolia, parece que a figura masculina se ausenta nos momentos mais importantes. Com Justine, o pai se ausenta da casa quando ela termina o casamento. Como em outros trabalhos de Trier, a força nas dificuldades vem das mulheres (Justine, Claire, Grace em Dogville, etc.). Os homens são falhos e precisam se reinventar melhor. No caso específico de Melancolia, isso caberia ao garoto Leo (o ator mirim Cameron Spurr), filho de Claire.

*Coincidentemente ou não, Jack Bauer, o personagem de Kiefer Sutherland no seriado 24 Horas, é acostumado a salvar o mundo. Não sei se sua escolha foi intencional para este papel, mas é no mínimo curioso vê-lo interpretar o avesso de seu herói mais famoso.





As reações das duas irmãs ao iminente fim, se dão de maneiras opostas. No processo de recuperação, Justine se torna sensitiva, contrapondo à racionalidade de Claire. Como os animais, em diversas passagens no filme, instintivamente, ela percebe que o momento em que estão passando representa o último ato para todo o planeta. Por sua vez, Claire é uma mulher amedrontada. Sem o marido e desesperada, procura inutilmente escapar para algum lugar. Tenta chegar ao vilarejo mais próximo, mas o carro para na mesma ponte em que a irmã tentou atravessar a cavalo em várias ocasiões, o que sugere que as frustrações fazem parte da nossa existência, e que não temos controle absoluto sobre tudo. Ao retornar, propõe uma despedida no jardim da casa com música, vinho e luz de velas, sendo imediatamente repreendida pela irmã. Essa seria a maneira de Claire se preparar para a morte, como num acontecimento festivo.



Justine encara o fim com resignação. Ela está, de fato, mais preparada para morrer, porque já experimentou a morte de todas as suas crenças, em outra ocasião. Sua morte social no primeiro capítulo do filme, possibilita aceitar uma morte física. A cena em que se banha despida no reflexo da luz do astro (praticamente se relacionando com ele), além da beleza intrínseca que contemplamos como voyeurs, representa uma entrega incondicional à finitude, que chega a ser um alívio para toda a sua angústia em vida. Claire, por sua vez, sempre viu propósito em sua existência, em grande parte pela maternidade - um dos maiores propósitos de vida dos seres humanos. Seus problemas se iniciam ao questionar as previsões científicas do marido, moldadas apenas para dar suporte à falsa esperança de um final feliz. Com o suicídio de John e a certeza do fim eminente, desaba o seu mundo pessoal, planejado para ser perfeito e confortável. E agora, o que será do futuro do filho, da humanidade, de todo o planeta? Em Melancolia, todas as experiências em vida existiram apenas para preencher o grande vazio da humanidade em relação à sua própria finitude. Ao encarar o luto e a morte, a realidade é aterrorizante. Não há futuro, não há esperança, nem "vida em outros planetas". Estamos sós e desamparados.


Nos momentos finais do filme, Justine, Claire e Leo montam uma "caverna mágica" com alguns galhos escolhidos na floresta. De mãos dadas, aguardam o grande fim. Nesse momento a ciência não traz nenhum amparo. Apenas a imaginação e a fé podem proporcionar algum conforto. Após o choque, a terra é totalmente absorvida pelo planeta errante que é muito maior. O filme termina dando a sensação de que tanto faz estarmos vivos ou mortos, nada mudará o curso natural das coisas. Somos insignificantes para o Universo.


O filme guarda certa semelhança com dois grandes clássicos da ficção científica. 2001, Uma odisséia no espaço (1968) de Stanley Kubrick, e Solaris (1972) de Andrei Tarkovsky. Com relação a 2001, pode-se dizer que Melancolia é sua leitura ao avesso. Nas cenas inicias, houve a substituição da valsa pomposa de Johann Strauss pela ópera trágica de Wagner e, enquanto em sua obra Kubrick faz um elogio aos avanços da ciência, Trier a dismistifica. Na verdade Melancolia está mais para Solaris que para 2001. Visualmente, os dois planetas são idênticos, com oceanos e atmosfera (e cada um dá título homônimo ao seu filme). À maneira dos astronautas que orbitam Solaris, os personagens viajam aos confins de seu próprio interior influenciados pelo magnetismo perturbador do planeta Melancolia. No caso de Justine, ela praticamente se comunica com o astro em algumas cenas. Inclusive, tanto em Solaris como em Melancolia, há o suicídio de um personagem-chave. Definitivamente, os filmes de Tarkovsky servem de inspiração para Trier. Em uma entrevista, ele declarou: "Tarkovski é um deus real para mim. Quando eu vi O Espelho, Stalker e Andrei Rublev, mesmo num televisor pequeno, fiquei em êxtase. Se você quiser falar sobre religião, eu te respondo que minha relação religiosa é com Tarkovski. [...] Eu me sinto muito próximo a ele”. Os dois cineastas consideram 2001 um filme superficial, com muita ficção e pouca abordagem psicológica. Mas em termos de densidade e pessimismo, Trier é insuperável.


Em Melancolia, a profunda desilusão com a humanidade se extende a todos os seres vivos. Mais ainda: a todo o planeta, geologicamente responsável pela seleção natural, que nos fez chegar até aqui às custas do predatismo maléfico e egoísta. A Terra, como um todo, é má. A visão pessimista de Lars Von Trier se traduz no quadro Caçadores da Neve, de Bruegel, exibido em várias passagens do filme. Nele, temos um grupo de caçadores voltando frustrados de uma caçada improdutiva. Os cachorros estão capisbaixos e os caçadores com estandartes vazios. Que péssima notícia saberá o vilarejo ao qual os caçadores se dirigem, enquanto os habitantes, nas mais diversas atividades, aguardam com ansiedade as boas novas. Lars Von Trier é o caçador sem nada a oferecer ao vilarejo, sua platéia espectadora.

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