Assistam. É um filme denso e muito artístico, que retrata a classe média brasileira, mais particularmente do nordeste do país.
O 'som ao redor' dos personagens é o som da construção civil, dos automóveis, das pessoas, dos animais e tudo o que cerca os dilemas mais atuais de uma população cada vez mais restrita à verticalização, numa cidade que não para, só cresce, e o de cima sobe e o de baixo desce.
Esse som ressoa com ecos da atividade sucroalcoleira arcaica, baseada na mão de obra escrava, e o alto preço pago pela classe média emergente de hoje, advindo de uma abolição mal planejada, que se reflete na ausência de perspectivas para o negro marginalizado.
É um filme onde vários sons e histórias se encontram, na maioria das vezes, sem qualquer harmonia. Num Recife claustrofóbico, a sociedade recorre à força (das próprias mãos), para resolver suas questões. E assim, na perpétua omissão do Estado, as pessoas seguem tentando se suportar, na expectativa de que algum acontecimento venha mudar toda a monotonia dos fatos.
No conflito entre o velho (dos engenhos decadentes e dos capatazes) e o novo (das TVs de plasma e dos vigilantes de rua), entre a herança de berço e a ascensão social, o mandarim vai se impondo ao mundo, lentamente mas firmemente.
Em algumas tomadas, a herança escravocrata se revela nos mínimos detalhes: crianças criadas por aias, empregados que são recebidos pela porta dos fundos ou destratados publicamente, e a recorrente paranóia dos escravos revoltosos invadindo a Casa Grande.
Enfim, uma profunda reflexão sobre o que nos tornamos - nossa herança de sangue de 1888. E é fácil - muitas vezes de maneira desconcertante - nos identificarmos na tela, porque nós realmente somos isso aí.
*Obs.: Premiado internacionalmente e selecionado em mais de 30 festivais, está disponível no iTunes e em vários sites de download.
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