O Escafandro e a Borboleta

Enquanto preso a um corpo vegetal, Jean-Dominique Bauby o equipara a um escafandro. O corpo imóvel, pesado, com uma pequena janela para observar o espaço agora fisicamente limitado e a água do oceano aguardando a menor fadiga do material, uma ferrugem ou um furo, para penetrar irremediavelmente na armadura.

Mas seu pensamento transpõe livremente caminhos imaginários. Flutua como pluma num universo subjetivo. Num bater de asas está aqui, num piscar de olhos está ali. Literalmente, pois ele tem a síndrome do Encarceramento - Locked-in Syndrome, na qual as sensações estão preservadas, mas não existe função motora, exceto por alguns músculos da face. No caso de Dominique, é o olho esquerdo que se move e pisca, e é esse piscar de olho sua única forma de se conectar com o mundo exterior

A fonoaudióloga Sandrine Cirilli o insere num método para identificar uma determinada letra do alfabeto ou número que é acionado através de cada piscada. Um trabalho louvável que o leva a escrever um livro, tarefa já corriqueira à Dominique, pois antes de sofrer um AVC (acidente vascular cerebral ou o popular 'derrame') que o deixou neste estado, ele fora jornalista, escritor e editor de uma revista feminina.

Uma história real, bastante envolvente e curiosa em alguns pontos. Um exemplo de que as limitações sempre farão parte da nossa vida e existir é, de certo modo, jamais se submeter a estas limitações.

"O escafandro já não oprime tanto, e o espírito pode vaguear como borboleta. Há tanta coisa para fazer. Pode-se voar pelo espaço ou pelo tempo, partir para a Terra do Fogo ou para a corte do rei Midas. Pode-se visitar a mulher amada, resvalar para junto dela e acariciar-lhe o rosto ainda adormecido. Construir castelos de vento, conquistar o Velocino de Ouro, descobrir a Atlântida, realizar os sonhos da infância e as fantasias da idade adulta." (Dominique Bauby, 1997)

'Um filme para que valorizemos nossa vida', diriam alguns. Isso é inadmissível para Dominique, que não suporta que tenham pena do seu estado. Para ele, ter pena é se acomodar à situação e não ir além. Há uma parte no filme em que ele mesmo toma a decisão de parar de ter pena de si próprio. Ele sempre foi um apaixonado por sua vida, um bon-vivant, de certa forma como eu e você que está lendo este texto. Valorizar a vida, ele já o fazia a cada dia, nada mudou para ele, sob esse aspecto. Nem para nós. Fumar um cigarro pode ser uma maneira de valorizar a vida para uns. Para outros é disperdiçar. Existir é um conceito muito mais amplo que o 'penso, logo existo' cartesiano, que frases prontas e conceitos pré-concebidos.

"Verbalismo...
Sim, verbalismo...
Aproveitar o tempo!
Não ter um minuto que o exame de consciência desconheça...
Não ter um acto indefinido nem factício...
Não ter um movimento desconforme com propósitos...
Boas maneiras da alma...
Elegância de persistir..."

Fernando Pessoa