Na venda de seu banco, o apresentador revelou uma face desconhecida do público: a do empresário que não aceita ser acuado.
Esqueça o Silvio Santos que sorri de orelha a orelha. Nos momentos em que se sente ameaçado, o apresentador mostra uma face que o público desconhece: a do empresário que não admite que coloquem a faca no seu pescoço. O desafio embutido no "liquida, liquida" foi a resposta de Silvio a quatro dos maiores banqueiros do país quando ameaçaram bloquear seu patrimônio e processá-lo pelo rombo de R$ 3,8 bilhões do banco PanAmericano.
A frase foi dita na penúltima sexta-feira, na sede do Fundo Garantidor de Créditos, num prédio projetado por Ruy Ohtake em Pinheiros, zona oeste de São Paulo.
SILVIO X 4 BANQUEIROS
Silvio se reunira com Roberto Setubal (presidente do Itaú Unibanco), Lázaro Brandão e Luiz Carlos Trabuco (presidente do conselho e do Bradesco), Fábio Barbosa (do Santander) e Gabriel Jorge Ferreira (presidente do Fundo Garantidor de Créditos). O apresentador acabara de ouvir uma péssima notícia: a de que o rombo de seu banco não era de R$ 2,5 bilhões, mas de R$ 3,8 bilhões. A reação de Silvio, 80 anos completados em dezembro, foi violenta. Disse que não acreditava nos números dos auditores, que não colocaria mais dinheiro no banco nem daria mais patrimônio como garantia. Em novembro, quando foi anunciado o rombo de R$ 2,5 bilhões, ele concordara em dar suas empresas como garantia ao empréstimo desse mesmo valor pelo fundo.
Gabriel, presidente dessa entidade dirigida pelos bancos, reagiu no mesmo tom de Silvio: ameaçou levar o caso ao Banco Central para colocar o PanAmericano sob intervenção por meio de uma lei de 1987 chamada Raet (Regime de Administração Especial Temporária). Se essa lei fosse usada, o banco poderia ser liquidado e Silvio ficaria com seus bens indisponíveis. Poderia ainda ser responsabilizado pelo rombo na Justiça.
Os banqueiros achavam que Silvio teria de sair do episódio com com algum arranhão patrimonial. Se recebesse o socorro sem comprometer suas garantias, o fundo passaria uma lição de moral nada edificante ao mercado: quebrem seus bancos que o fundo salva, deixem rombos de bilhões que seu patrimônio sairá ileso.
Roberto Setubal, do Itaú, era o mais indignado com a possibilidade de Silvio sair sem dívidas. Silvio sacou então de um patrimônio que nenhum banqueiro tem: a sua popularidade. Disse que os quatro banqueiros e o fundo precisariam explicar à população por que o banco do Silvio Santos fora liquidado pelo governo.
Havia outro complicador na eventual liquidação: como fazer isso quando a Caixa é sócia do banco? Passaria a impressão de que a Caixa não tinha bala para ajudar um sócio em apuros. Outro problema: a liquidação poderia arrastar até 15 bancos que vivem da venda de carteiras de crédito. Imagine esse cenário de descontrole no primeiro mês do governo de Dilma Rousseff.
O fundo preferiu pagar para não ver as consequências. No confronto com banqueiros que dominam o sistema financeiro, Silvio saiu com o patrimônio intocado e sem dívidas.
NÃO VENDO MAIS
Por volta das 15h da última segunda-feira, todos os contratos para a venda do PanAmericano estavam prontos. Os advogados do fundo e do BTG Pactual haviam varado a madrugada de domingo para segunda para terminar a papelada. Finalizaram os contratos às 5h30. O plano era anunciar a venda após o fechamento da Bolsa, na segunda passada. Fariam o anúncio de uma má notícia (a de que o rombo subira de R$ 2,5 bilhões para R$ 3,8 bilhões) e uma boa: a venda para um grupo sólido.
Quando faltavam duas horas para a Bolsa fechar, Silvio disse a André Esteves, o presidente do BTG Pactual, que não venderia mais o banco. Achava que o valor oferecido por Esteves era irrisório: "Querem levar o meu banco na bacia das almas e isso eu não aceito", teria dito. Por R$ 450 milhões, afirmou Silvio, eu mesmo compro. O apresentador ficara enfurecido ao saber que o fundo quitaria uma dívida de R$ 3,8 bilhões, que seria paga em dez anos, por R$ 450 milhões -- os R$ 450 milhões pelos quais o BTG levaria o banco equivalem a 12% da dívida alongada por dez anos. Não aceitava também uma cláusula em que o BTG Pactual poderia devolver o banco caso o rombo fosse maior.
O apresentador só mudou de ideia sobre a venda quando Esteves mostrou-lhe que a conta não era a dos R$ 450 milhões. Que o banco precisava de R$ 8 bilhões para voltar a operar. Que Silvio não tinha mais condições de levantar esse valor. Que banqueiro faria negócios com um empresário que diz não entender nada de bancos? O Banco Central já fizera chegar ao apresentador essa mesma mensagem - a de que ele não tinha mais condições de continuar à frente do PanAmericano.
Só ao ser apresentado à cifra de R$ 8 bilhões Silvio capitulou à proposta do BTG. Não aceitou, porém, a cláusula de devolução caso o rombo crescesse. O motivo é óbvio: que banco sobrevive a um comprador que depois recusa o negócio? A cláusula era um atestado de óbito.
CONTA DE CHEGADA
Nas negociações para definir o valor de venda da participação do apresentador, o fundo ofereceu condições excepcionais ao BTG Pactual. A instituição considerou o rombo de R$ 3,8 bilhões como a quantia a ser paga não agora, mas em 17 anos e seis meses, sem incidência de juros nem correção monetária -isso tudo no país que tem a maior taxa real de juros do mundo.
Sobre esse valor futuro, aplicou uma taxa de desconto de 13% ao ano, o que representa hoje R$ 450 milhões -esse é o preço pelo qual o Pactual se comprometeu a comprar as ações de Silvio Santos no PanAmericano. O BTG ainda não desembolsou o dinheiro. A diferença entre os R$ 450 milhões a serem pagos pelo BTG Pactual e os R$ 3,8 bilhões injetados para sanar o banco foi assumida pelo Fundo Garantidor e contabilizada como um prejuízo de R$ 3,35 bilhões.
Pode parecer um escândalo, mas o fundo diz que fez um ótimo negócio. Se o PanAmericano quebrasse, o prejuízo direto seria de mais de R$ 8 bilhões. Estima-se que 15 outros bancos iriam à bancarrota em seguida. Como o PanAmericano tomou US$ 900 milhões no exterior, o calote significaria um corte no crédito externo. O risco-país, que mede a estabilidade da economia, dispararia para mais de 700 pontos e o governo pagaria a conta.
Segundo essa visão, o fundo existe para isso mesmo - é uma espécie de seguradora dos bancos.
A frase foi dita na penúltima sexta-feira, na sede do Fundo Garantidor de Créditos, num prédio projetado por Ruy Ohtake em Pinheiros, zona oeste de São Paulo.
SILVIO X 4 BANQUEIROS
Silvio se reunira com Roberto Setubal (presidente do Itaú Unibanco), Lázaro Brandão e Luiz Carlos Trabuco (presidente do conselho e do Bradesco), Fábio Barbosa (do Santander) e Gabriel Jorge Ferreira (presidente do Fundo Garantidor de Créditos). O apresentador acabara de ouvir uma péssima notícia: a de que o rombo de seu banco não era de R$ 2,5 bilhões, mas de R$ 3,8 bilhões. A reação de Silvio, 80 anos completados em dezembro, foi violenta. Disse que não acreditava nos números dos auditores, que não colocaria mais dinheiro no banco nem daria mais patrimônio como garantia. Em novembro, quando foi anunciado o rombo de R$ 2,5 bilhões, ele concordara em dar suas empresas como garantia ao empréstimo desse mesmo valor pelo fundo.
Gabriel, presidente dessa entidade dirigida pelos bancos, reagiu no mesmo tom de Silvio: ameaçou levar o caso ao Banco Central para colocar o PanAmericano sob intervenção por meio de uma lei de 1987 chamada Raet (Regime de Administração Especial Temporária). Se essa lei fosse usada, o banco poderia ser liquidado e Silvio ficaria com seus bens indisponíveis. Poderia ainda ser responsabilizado pelo rombo na Justiça.
Os banqueiros achavam que Silvio teria de sair do episódio com com algum arranhão patrimonial. Se recebesse o socorro sem comprometer suas garantias, o fundo passaria uma lição de moral nada edificante ao mercado: quebrem seus bancos que o fundo salva, deixem rombos de bilhões que seu patrimônio sairá ileso.
Roberto Setubal, do Itaú, era o mais indignado com a possibilidade de Silvio sair sem dívidas. Silvio sacou então de um patrimônio que nenhum banqueiro tem: a sua popularidade. Disse que os quatro banqueiros e o fundo precisariam explicar à população por que o banco do Silvio Santos fora liquidado pelo governo.
Havia outro complicador na eventual liquidação: como fazer isso quando a Caixa é sócia do banco? Passaria a impressão de que a Caixa não tinha bala para ajudar um sócio em apuros. Outro problema: a liquidação poderia arrastar até 15 bancos que vivem da venda de carteiras de crédito. Imagine esse cenário de descontrole no primeiro mês do governo de Dilma Rousseff.
O fundo preferiu pagar para não ver as consequências. No confronto com banqueiros que dominam o sistema financeiro, Silvio saiu com o patrimônio intocado e sem dívidas.
NÃO VENDO MAIS
Por volta das 15h da última segunda-feira, todos os contratos para a venda do PanAmericano estavam prontos. Os advogados do fundo e do BTG Pactual haviam varado a madrugada de domingo para segunda para terminar a papelada. Finalizaram os contratos às 5h30. O plano era anunciar a venda após o fechamento da Bolsa, na segunda passada. Fariam o anúncio de uma má notícia (a de que o rombo subira de R$ 2,5 bilhões para R$ 3,8 bilhões) e uma boa: a venda para um grupo sólido.
Quando faltavam duas horas para a Bolsa fechar, Silvio disse a André Esteves, o presidente do BTG Pactual, que não venderia mais o banco. Achava que o valor oferecido por Esteves era irrisório: "Querem levar o meu banco na bacia das almas e isso eu não aceito", teria dito. Por R$ 450 milhões, afirmou Silvio, eu mesmo compro. O apresentador ficara enfurecido ao saber que o fundo quitaria uma dívida de R$ 3,8 bilhões, que seria paga em dez anos, por R$ 450 milhões -- os R$ 450 milhões pelos quais o BTG levaria o banco equivalem a 12% da dívida alongada por dez anos. Não aceitava também uma cláusula em que o BTG Pactual poderia devolver o banco caso o rombo fosse maior.
O apresentador só mudou de ideia sobre a venda quando Esteves mostrou-lhe que a conta não era a dos R$ 450 milhões. Que o banco precisava de R$ 8 bilhões para voltar a operar. Que Silvio não tinha mais condições de levantar esse valor. Que banqueiro faria negócios com um empresário que diz não entender nada de bancos? O Banco Central já fizera chegar ao apresentador essa mesma mensagem - a de que ele não tinha mais condições de continuar à frente do PanAmericano.
Só ao ser apresentado à cifra de R$ 8 bilhões Silvio capitulou à proposta do BTG. Não aceitou, porém, a cláusula de devolução caso o rombo crescesse. O motivo é óbvio: que banco sobrevive a um comprador que depois recusa o negócio? A cláusula era um atestado de óbito.
CONTA DE CHEGADA
Nas negociações para definir o valor de venda da participação do apresentador, o fundo ofereceu condições excepcionais ao BTG Pactual. A instituição considerou o rombo de R$ 3,8 bilhões como a quantia a ser paga não agora, mas em 17 anos e seis meses, sem incidência de juros nem correção monetária -isso tudo no país que tem a maior taxa real de juros do mundo.
Sobre esse valor futuro, aplicou uma taxa de desconto de 13% ao ano, o que representa hoje R$ 450 milhões -esse é o preço pelo qual o Pactual se comprometeu a comprar as ações de Silvio Santos no PanAmericano. O BTG ainda não desembolsou o dinheiro. A diferença entre os R$ 450 milhões a serem pagos pelo BTG Pactual e os R$ 3,8 bilhões injetados para sanar o banco foi assumida pelo Fundo Garantidor e contabilizada como um prejuízo de R$ 3,35 bilhões.
Pode parecer um escândalo, mas o fundo diz que fez um ótimo negócio. Se o PanAmericano quebrasse, o prejuízo direto seria de mais de R$ 8 bilhões. Estima-se que 15 outros bancos iriam à bancarrota em seguida. Como o PanAmericano tomou US$ 900 milhões no exterior, o calote significaria um corte no crédito externo. O risco-país, que mede a estabilidade da economia, dispararia para mais de 700 pontos e o governo pagaria a conta.
Segundo essa visão, o fundo existe para isso mesmo - é uma espécie de seguradora dos bancos.
Fonte: Mario Cesar Carvalho e Leonardo Souza, Folha de S.Paulo
Nenhum comentário:
Postar um comentário