domingo, 3 de julho de 2011

Um Profeta

De que país falamos quando, olhando para o seu sistema penitenciário, vemos corrupção entre os carcereiros, guerra entre grupos rivais, uso de celulares pelos presidiários e advogados tão (ou mais) bandidos que seus clientes? Não, você errou. Não é do Brasil, nem de nenhum país pobre da América Latina, mas da França, a terra da "Igualdade, Fraternidade e Liberdade".


Em Um Profeta (Un Prophète), desconstrói-se o mítico simbolismo das três cores que, desde 1789, representam a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, maior conquista da mais importante revolução de todos os tempos. A ascendente desigualdade social, de origem pré-Euro (o filme começa com o protagonista tentando esconder uma nota de 50 francos no sapato), faz suas vítimas num país em que cada vez mais faltam empregos que acomodem a todos.


A rica e desenvolvida França atual, tem historicamente um passado que a condena: certo dia ela já fora imperialista e colonizadora, não restando alternativas a não ser colher (e acolher) os amargos frutos de sua inescapável responsabilidade social - o crescente número de imigrantes. Em sua maioria mulçumanos de recentes ex-colônias africanas (como Argélia, Marrocos e Tunísia), seus cidadãos não se contentam em falar apenas o francês, única herança deixada pelo antigo colonizador, buscando certo 'reparo' histórico, através de trabalho e melhores condições de vida. Um Profeta aborda esta temática social de maneira sutil. Mas deixa bem claro que a França repete o que de pior acontece em todos os países do mundo: o sitema carcerário é composto pelos mais pobres e desvalidos, pelos negros e imigrantes. E ainda sugere o que se desconfia empiricamente em diversos ensaios e artigos mundo afora: que ao invés de recuperar o detento, a prisão o insere ainda mais no mundo do crime.


O diretor francês Jacques Audiard, que já havia conquistado com Um Profeta o grande prêmio do júri em Cannes, ganhou 9 troféus - Melhor Filme, Melhor Diretor (Jacques Audiard), Melhor Ator (Tahar Rahim), Melhor Ator Coadjuvante (Niels Arestrup), Melhor Roteiro Original, Melhor Fotografia, Melhor Montagem, Melhor Direção Artística e Ator Mais Promissor (Tahar Rahim) - na cerimônia de entrega do César, o prêmio máximo do cinema francês. O drama de um jovem imigrante que faz escola no crime em uma prisão francesa, é interpretado pelo brilhante Tahar Rahim, no seu maior papel até então. O filme foi visto por mais de 2 milhões de telespectadores e, atualmente, encontra-se em cartaz na HBO Brasil. Audiard já havia conquistado 8 Césares por De tanto bater, meu coração parou, de 2005, e é considerado um dos mais prestigiados diretores da atualidade.



Outro destaque se deve ao coadjuvante Niels Arestrup, já habitual colaborador de Audiard. No papel de César Luciani, o mafioso corso, Arestrup cria um personagem poderoso que assiste a toda a decadência do seu mundo e da sua vida, cuja idade se faz ressentir.


Sua atuação nesse filme me lembrou muito a do paraibano José Dumont em Abril Despedaçado: o pai tirano que submete o filho a uma dura provação. Tahar Rahim, no papel de Malik El Djebena, também cumpre a vontade do 'pai', tal como Tonho (Rodrigo Santoro). Mas as semelhanças psicológicas das personagens terminam por aí, pois a temática de Um Profeta, carregada de elementos sócio-raciais, impede a progressão dos laços entre corsos e árabes, uma metáfora para a grande dificuldade de coexistência racial na Europa de hoje e, igualmente, uma grande advertência para que o futuro do Euro - a idéia de uma Europa única - não passe de uma grande utopia. Talvez aqui se encontre a grade profecia do filme. Aliás, na cerimônia de premiação do César, Audiard aproveitou a tribuna de agradecimento para discursar a favor de quem na França trabalha sem documentos legais, sem residência, mas que contribui para a riqueza do país.

 
Em alguns momentos, Um Profeta pode parecer demasiado longo e arrastado (2h30m de duração). Talvez pela difícil missão que Audiar teve de torná-lo abrangente, sem desmerecer a trama. Tecnicamente trata-se de um filme muito belo, cujos planos movimentados de Stéphane Fontaine, o diretor de fotografia, nos fazem sentir como se fossemos um elemento observador de todo o enredo. Não há pretensiosismo, sua única pretensão é mostrar a realidade e contar a sua história. E isso já é o grande pontapé para uma obra prima.


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